Blogue da Biblioteca do Agrupamento de Escolas de Sande.

domingo, junho 06, 2010

João Aguiar, o escritor que amava a história

Foi a mãe que o ensinou a ler para que ficasse sossegado na cama quando estava doente. De leitor interessado, João Aguiar rapidamente passou a aspirante a escritor. Tinha apenas oito anos quando quis escrever o seu primeiro livro de aventuras, mas teve de esperar mais 32 até publicar o seu romance de estreia, A Voz dos Deuses. E a partir daí nunca mais parou. 
João Aguiar morreu na passada quinta feira, 03 de Junho, em Lisboa, aos 66 anos, com um cancro, deixando inacabado mais um livro, desta vez sobre a revolução de 1385. Foi no romance histórico, aliás, que fez grande parte da sua carreira literária, começando pelas aventuras de Viriato, que descreve como um génio militar e político capaz de desafiar Roma em A Voz dos Deuses (Perspectivas & Realidades, 1984, hoje na Asa), e passando por títulos como Os Comedores de Pérolas e O Dragão de Fumo
Nascido em 1943, João Aguiar viveu a infância entre Lisboa e a Beira, em Moçambique. Foi em Portugal que frequentou os cursos de Direito e Filosofia, mas acabou por ser em Bruxelas que se licenciou em Jornalismo. Considerou-se sempre jornalista, mesmo depois de abandonar a actividade profissional. Começou pela RTP e passou depois por jornais como o Diário de Notícias, A Luta e O País
João Aguiar escreveu cerca de duas dezenas de romances que o levaram a estudar aprofundadamente a história de Portugal. Na sua obra merecem destaque, para além dos títulos já citados, A Hora de Sertório (1994), A Encomendação das Almas (1995), Inês de Portugal (1997) e o último que publicou, O Priorado do Cifrão (Porto Editora, 2008), uma crítica ao mundo criado por Dan Brown. 
Pelo meio, João Aguiar criou ainda duas séries televisivas para os mais jovens - Sebastião e os Mundos Secretos e o Bando dos Quatro, a partir das histórias editadas em livro - e fez também o libreto da ópera A Orquídea Branca, de Jorge Salgueiro, que lamentava ontem a perda de "um homem sábio, muito sóbrio e humano". 
Também os escritores Mário de Zambujal e José Jorge Letria, presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, salientaram as suas qualidades humana e literária. "Era um grande escritor, dos mais importantes das últimas décadas em Portugal", disse Letria. "Lembro-me dos bons dias que passámos juntos à conversa e agora não posso deixar de sentir a mágoa de ver partir um amigo", acrescentou Zambujal. Para Manuel Alberto Valente, o editor de João Aguiar nos últimos 20 anos, na Asa, a obra do escritor, "sobretudo a do romance histórico, ficará como uma parte importantíssima do romance português do século XX". 
Numa autobiografia irónica que escreveu para o Jornal de Letras em 2005, João Aguiar concluía: "A minha vida não dava um livro, e ainda bem." Mas os seus livros tinham muitas vidas.

                                                                                                        Adaptado de Jornal Público, 04/06/2010